Jornalismo
do Deboche
Muitos leitores perguntam
por que nunca escrevo artigos ridicularizando George W. Bush,
desancando o governo PT ou ridicularizando as bobagens ditas por
algum de nossos governantes.
Não faço este tipo de colunismo porque é
ilimitada a quantidade de bobagens feitas por seres humanos. Estaríamos
destruindo todo o papel do planeta se comentássemos cada
besteira feita. Depois, o tempo do leitor é curto, um jornalismo
construtivo deveria também divulgar possíveis soluções
e não ficar somente na crítica dos erros dos outros.
Leitores são presas fáceis desta forma de crítica
jornalística, porque ela insinua equivocadamente que somos
superiores aos nossos semelhantes, governantes e amigos.
Noventa por cento das nossas conversas é para se comentar
gafes e fracassos dos amigos, nunca suas conquistas e realizações,
por isto nunca sou o primeiro a sair de uma festa de amigos.
O jornalista do deboche sabe que o sucesso do outro incomoda,
e se aproveita disto. O jornalismo do deboche não somente
mostra que somos supostamente mais inteligentes do que os que
estão no poder, mas tem uma outra coisa “freudianamente”
muito importante: mostra que o colunista é mais inteligente
do que todos nós juntos.
Não pelas suas idéias originais, critério
único para se medir inteligência, mas pela burrice
dos outros que o jornalismo do deboche tem o prazer de desancar.
Como o debochador sempre trata do passado, quando os erros já
são óbvios e evidentes, ele tem sempre a vantagem
da onisciência, algo que o governante não teve na
hora da sua decisão.
Não faço referência àqueles que escrevem
uma crítica de forma construtiva, precisamos ser informados
das mazelas e erros do governo. Um artigo debochado de vez em
quando nos faz rir e permite agüentar o fardo da incompetência
alheia. Mas muitos fazem do deboche a sua especialidade, sua razão
de ser.
O jornalismo deve criticar e ao mesmo tempo propor soluções
para serem discutidas, inclusive correr o risco de ver a idéia
debochada. Só que aí, o artigo teria de ser inovador,
competente, criativo, sensato, conciliador, persuasivo e corajoso.
A crítica barata é muito mais fácil do que
a análise profunda. A análise requer pesquisa, números
e estatísticas, o deboche só precisa de uma língua
afiada.
Se você adora o jornalismo do deboche, porque ele é
engraçado, lembre-se que você está rindo de
si mesmo, e embora autocrítica e umas risadas sejam sadias,
limitar-se a isto é dar um tiro no pé. O Brasil
está diariamente dando tiros no pé, e achando graça.
Num congresso de estudantes colocaram-me para falar em penúltimo
lugar, e o encerramento foi feito por um profissional do deboche.
Ele simplesmente destruiu o meu discurso otimista anterior, dizendo
que o Brasil jamais daria certo, de que estávamos condenados
pelo gene do patrimonialismo português, que o fracasso estava
no nosso sangue, e assim por diante. Para a minha grande surpresa,
a platéia simplesmente adorou. Riam a valer, e no final
aplaudiram de pé. Inacreditável para mim!
Se um grande intelectual prevê que o Brasil jamais dará
certo, não precisamos nos esforçar. Pode-se justificar
o nosso fracasso pessoal, nossa mediocridade individual, como
sendo inevitável, é nosso destino. “Não
preciso melhorar, a culpa não é minha, a culpa é
do Brasil, a culpa é dos portugueses”.
Muitos de nossos intelectuais jogam para a platéia, curvando-se
à força do mercado, um discurso de que jamais daremos
certo, quando a função do intelectual seria justamente
mostrar as soluções, mostrar o caminho, mostrar
o que nós pobres mortais não vemos.
Onde estão os poetas que antes nos inspiravam e motivavam,
onde estão os filósofos que nos mostravam a essência
do que está ocorrendo, onde estão os padres com
seus sermões edificantes, onde estão os visionários
que nos mostravam o caminho? Eles estão presentes como
sempre estiveram, mas hoje estão sem platéia, porque
o jovem brasileiro está encantado com o discurso do deboche,
é sempre mais fácil culpar os outros.
O jornalismo do deboche é um fenômeno mundial, atingiu
até o New York Times. Se acabou acreditando que você
é mais competente que Lula, FHC ou Bush, consulte um especialista.
O mundo não é tão simples nem tão
ridículo quando lhe fizeram imaginar. Graças a Deus!
Stephen Kanitz