19 de setembro de 2012

SEGUNDO MILLÔR, EM DOM CASMURRO, FOI BENTINHO QUE TRAIU CAPITU




 

De Millôr Fernandes para a Veja on-line.


Publiquei, através de anos, no Estadão, no O Dia, e no Jornal do Brasil – ao todo aproximadamente dois milhões de exemplares – “pesquisa” sobre Dom Casmurro, a obra magna de Machado de Assis. Como minha página era a capa exterior dos jornais citados, e o assunto era picante – se Escobar, “herói” do romance, tinha ou não tinha comido a Capitu, eterna e tola discussão entre beletristas –, devo ter alcançado pelo menos cem mil desprevenidos. Bom, não apenas mostrei que Escobar comeu a Capitu, como, não sei não, acho que tirei Dom Casmurro do “armário”.


Como não sou dos maiores – e nem mesmo dos menores – admiradores do bruxo, fundador da Academia Brasileira de Letras (“a Glória que fica, eleva, honra e consola”, eu, hein, que frase!), não vou discutir a maciça, inexpugnável web protecionista que se criou em torno dele. Não quero polemizar (falta-me vontade e capacidade) com a candura que os erúditos (com acento no ú, por favor) têm pra relação equívoca entre Capitu, a “dos olhos de ressaca” (que Machado não explica se era ressaca do mar ou de um porre), e Escobar, o mais íntimo amigo de Bentinho, narrador e personagem do livro (evidente alter ego do próprio Machado).


A desconfiança básica vem desde 1900, quando Machado publicou Dom Casmurro. Dom Casmurro é ou não é corno, palavra cujo sentido de humilhação masculina – que ainda mantém bastante de sua força nesta época de total permissividade – na época de Machado era motivo de crime passional, “justa defesa da honra”, e outros desagravos permitidos pela legislação e pelos costumes.


Curioso que, ontem como hoje, o epíteto corna não se grudou à mulher. Ela é tola, vítima, “não sei como suporta isso!”, “corneia ele também!”, mas o epíteto não colou.


Dom Casmurro sofre da dor específica umas 50 páginas do romance, envenenado pela hipótese da infidelidade de Capitu. Que dúvida, cara pálida? Capitu deu pra Escobar. O narrador da história, Bentinho/Machado, só não coloca no livro o DNA do Escobar porque ainda não havia DNA. Mas fica humilhado, desesperado mesmo, à proporção que o filho cresce e mostra olhos, mãos, gestos e tudo o mais do amigo, agora morto. Bentinho chega a chamar Escobar de comborço (parceiro na cama).


Mas, pela nossa eterna pruderie intelectual, também ainda ridiculamente forte com relação a outro tipo de relação, a homo, nunca vi ninguém falar nada das intimidades entre Bentinho e Escobar. É verdade que, na época, Oscar Wilde estava em cana por causa do pecado que “não ousava dizer seu nome”.


Não fiz interpretações. Apenas selecionei frases – momentos – do próprio Dom Casmurro/Machado, da edição da Editora Nova Aguilar. Leiam, e concordem ou não.


Pág. 868 “Chamava-se Ezequiel de Souza Escobar. Era um rapaz esbelto, olhos claros, um pouco fugidios, como as mãos, como os pés, como a fala, como tudo.”


Mesma página “Escobar veio abrindo a alma toda, desde a porta da rua até o fundo do quintal. A alma da gente, como sabes, é uma casa com janelas para todos os lados, muita luz e ar puro… Não sei o que era a minha. Mas como as portas não tinham chaves nem fechaduras, bastava empurrá-las e Escobar empurrou-as e entrou. Cá o achei dentro, cá ficou…”


Pág. 876 “Ia alternando a casa e o seminário. Os padres gostavam de mim. Os rapazes também e Escobar mais que os rapazes e os padres.”


Pág. 883 “Os olhos de Escobar eram dulcíssimos. A cara rapada mostrava uma pele alva e lisa. A testa é que era um pouco baixa… mas tinha sempre a altura necessária para não afrontar as outras feições, nem diminuir a graça delas.


Realmente era interessante de rosto, a boca fina e chocarreira, o nariz fino e delgado.”


Mesma página “Fui levá-lo à porta… Separamo-nos com muito afeto: ele, de dentro do ônibus, ainda me disse adeus, com a mão. Conservei-me à porta, a ver se, ao longe, ainda olharia para trás, mas não olhou.”


Mesma página “Capitu viu (do alto da janela) as nossas despedidas tão rasgadas e afetuosas, e quis saber quem era que me merecia tanto.


– É o Escobar, disse eu.”


Pág. 887 “– Escobar, você é meu amigo, eu sou seu amigo também; aqui no seminário você é a pessoa que mais me tem entrado no coração.


– Se eu dissesse a mesma cousa, retorquiu ele sorrindo, perderia a graça… Mas a verdade é que não tenho aqui relações com ninguém, você é o primeiro, e creio que já notaram; mas eu não me importo com isso.”


Pág. 899 “Durante cerca de cinco minutos esteve com a minha mão entre as suas, como se não me visse desde longos meses.


– Você janta comigo, Escobar?


– Vim para isto mesmo.”


Pág. 900 “Caminhamos para o fundo. Passamos o lavadouro; ele parou um instante aí, mirando a pedra de bater roupa e fazendo reflexões a propósito do asseio; lembra-me só que as achei engenhosas, e ri, ele riu também. A minha alegria acordava a dele, e o céu estava tão azul, e o ar tão claro, que a natureza parecia rir também conosco. São assim as boas horas deste mundo.”


Pág. 901 “Fiquei tão entusiasmado com a facilidade mental do meu amigo, que não pude deixar de abraçá-lo. Era no pátio; outros seminaristas notaram a nossa efusão: um padre que estava com eles não gostou…”


Pág. 902 “Escobar apertou-me a mão às escondidas, com tal força que ainda me doem os dedos.”


Pág. 913 “Escobar também se me fez mais pegado ao coração. As nossas visitas foram-se tornando mais próximas, e as nossas conversações mais íntimas.”


Pág. 914 “A amizade existe; esteve toda nas mãos com que apertei as de Escobar ao ouvir-lhe isto, e na total ausência de palavras com que ali assinei o pacto; estas vieram depois, de atropelo, afinadas pelo coração, que batia com grande força.”


Págs. 925/26 (Depois da morte de Escobar) “Era uma bela fotografia tirada um ano antes. (Escobar) estava de pé, sobrecasaca abotoada, a mão esquerda no dorso de uma cadeira, a direita metida no peito, o olhar ao longe para a esquerda do espectador. Tinha garbo e naturalidade. A moldura que lhe mandei pôr não encobria a dedicatória, escrita embaixo, não nas costas do cartão: ‘Ao meu querido Bentinho o seu querido Escobar 20-4-70′.”


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P.S.: Mas, se vocês ainda têm dúvida, leiam a página 845 do fúlgido romance. Bentinho, ele próprio, fica pasmo, e realizado, quando consegue dar um beijo (quer dizer, apenas uma bicota) em Capitu. É ele próprio quem fala, entusiasmado com seu feito de bravura:


“De repente, sem querer, sem pensar, saiu-me da boca esta palavra de orgulho:


– Sou Homem!”

Crônica típica campo-grandense.


O retorno do sobá

Era um show de um artista de renome nacional. Enquanto aguardava o início do espetáculo, sentei-me numa mureta que separava o gramado da parte pavimentada em frente ao palco. Comecei, então, a observar as pessoas ao meu redor.
Um grupo bebia compulsivamente e apresentava uma alegria acompanhada de uma ansiedade que parecia crescer a cada minuto, pois alguém olhava insistentemente o relógio.

Ao longe, um casal, que se beijava calorosamente, demonstrava um isolamento do mundo exterior como se apenas os corpos ali estivessem, mas a alma se via em êxtase de hormônios em ebulição·.

De repente, sentou-se ao meu lado um colega de trabalho que se acomodou de costas demonstrando uma indiferença, era como se nunca houvesse estado comigo. Aquela atitude fez com que o meu humor pulasse ao nível mais alto de irritabilidade: “como pode alguém agir assim?” – pensei indignado e revolto.

“Poderia ser um descuido, ou uma falta de atenção?” Cheguei a pensar, mas ficou claro o olhar meio que de canto de olho em que deixou nítida sua intenção em se tornar invisível.

O show correu dentro da normalidade. Ri, cantei, vibrei, pois era um cantor que admirava e continuo admirando muito. Ao final, já no caminho da minha casa, continuava atormentado pelo comportamento do meu colega.

No outro dia, segunda-feira, ao chegar ao trabalho sabia que iria cruzar o seu caminho. Ele ainda não havia chegado.

Alguns minutos depois, ele entra e diz: “Bom dia mestre!”. Eu mudo, com “cara de paisagem” e de forma fria, sai como se sozinho ali estivesse. “A vingança é um prato que se come frio”.


7 de setembro de 2012

Mais uma crônica.


Onomatopeias

“O povo brasileiro”, expressão pronta e dita por vários políticos em campanhas eleitorais. Venho dizer-lhes o que fazer... O que fazer? Parece que a sociedade conspira contra si. Novela, futebol, Datena, Gugu, Faustão... “Tchu!Tchá!tchá!” e agora um “Encontro”.

A educação onomatopeica presente nas músicas e os poderosos cada vez mais poderosos – “tchu!Tchá!Tchá!” ligo a TV, ouço o rádio – “Ai, ai, ai!” – “tchê! Tchê! Tê, tê. Tê!” o nome de um cantor...?

Livros não fazem parte do “Thu, tchá, tchá” o que fazer? A mídia nos transportou de uma ditadura militar para outra ditadura que não nos permite derrubar o véu da ignorância.

Certa vez alguém me disse o que, hoje, me parece utópico: “A democracia se estabeleceu finalmente no Brasil”. Democracia? Onde há escolhas?

Observo dúvidas e angustias que me assombram: democracia, educação, “tchu, tchá! Tê – rê – rê”, onomatopeias, povo brasileiro. Tantas ideias, mas que para mim, apesar de simples, são pouco compreendidas.

Sou utópico? Sou louco? Radical, talvez? A única certeza existente é que o povo brasileiro precisa mudar seu comportamento, pois se precisamos de mudanças, elas devem partir de cada um: “ai, ai, ai”, “Tchu!Tchá!Tchá!”, “Tê, tê, rê, tê, tê”. Onomatopeias foram criadas quando não havia formas de serem ditas. O povo que não sabe o que dizer.... “tchê , tchu, rê, tê, ai ai ai”...